O que acontece quando se pega um filme infantil holandês premiado e adapta para o público brasileiro, levando em conta a nossa cultura, aumenta a idade da protagonista e não tem medo de fazer alterações para o público alvo, para os dias atuais, mantendo, porém, alguns marcadores que permitem a identificação com a obra de origem? O resultado é um filme emocionante que entrega absolutamente tudo e não fica atrás de sucessos “sick flick” internacionais como “A culpa é das estrelas” ou “A cinco passos de você”.
Atenção para aviso de GATILHO de doenças e alguns SPOILERS
O filme da Galeria Distribuidora conta com roteiro adaptado de Bryan Ruffo e Gabriel Amaral, e direção de Viviane Jundi. É estrelado por Letícia Braga (Pippa), Duda Matte (Beca). Fernanda Rodrigues e Emílio Orciollo Neto interpretam seus pais, Renata e Sérgio, e a fofíssima Marjorie Queiroz dá vida a sua irmã, Isabel. Cauã Martins interpreta o jovem Heitor, seu par estilo Enemies to lovers, ao passo que o papel dos melhores amigos ficou por conta de Alana Cabral (Alana) e Pedro Miranda (Tuco).
Por fim, temos o Giuseppe Oristanio como Dr Bigode.
O material de origem para essa adaptação foi o filme holandês de 2013, “Achtste-groepers huilen niet” (Jogo da vida) cuja tradução para o português seria “alunos do oitavo ano não choram”. O filme foi adaptado de um livro de mesmo nome, publicado em 2000.
O filme holandês conta a história de Akkie, uma garota louca por futebol que está iniciando o oitavo ano, um ano de transição importante, que envolve a troca de escolas, provas e um campeonato de futebol. Ela se dá bem com os colegas, exceto Joep (se pronuncia Yup) com quem vive brigando. Porém, sua família vira de cabeça para baixo quando ela recebe um diagnóstico de Leucemia. A partir desse momento, todo seu universo, bem como da sua família, seus colegas e médicos, girará em torno do que a doença significa e do que acontece depois da morte.
Vamos agora para a adaptação.
Eu tenho a impressão que a relação intertextual não foi declarada na divulgação do filme para não dar spoilers. Tudo bem que quem leu “a culpa é das estrelas”, por exemplo, sabe do desfecho dos protagonistas. Mas nesse caso, a surpresa do final era importante para manter o impacto.
Na adaptação, a protagonista se chama Felipa (Pipa) e está no ensino médio. Vai todos os dias para a escola com a irmã mais nova Isabel, que provoca mas com quem tem uma relação linda. Pipa também joga futebol, além de fazer várias atividades físicas, aulas de inglês, entre outras tarefas. Seu antagonista aqui é o repetente Heitor.
Gostei muito das transformações que fizeram. Ao aumentar a idade da protagonista para dezesseis anos, os diálogos ficaram menos infantis. Em vez de se preocupar com troca de escola, Pipa apresenta trabalhos de biologia em público (e sabe o que significa oncologista) e se preocupa com o campeonato intercolegial, mas já se interessa por garotos. Não estou dizendo que o filme holandês era ruim, só que não sei se uma adaptação com um tom mais infantil teria um bom resultado no Brasil.
Tanto Akkie quanto Pipa são corajosas, duronas e enfrentam os problemas de frente, mas o foco da história na adaptação brasileira recai mais sobre a vida social e na família da menina do que na escola. Temos um vislumbre da relação de Pipa com a irmã mais nova (ausente no holandês) e da dinâmica com os pais. Se no holandês havia até um arco de um amiguinho desenhista apaixonado por Akkie e da tentativa de unir a professora e o médico, aqui essas questões sequer aparecem.
Alguns elementos remetem a outros filmes adolescentes do gênero “amores terminais”, como mencionei. A amiga doidinha do hospital, Beca (Duda Matte), me vem à mente como um tropo comum. Outros elementos visuais também. Há o uso de eletrônicos incorporado nas cenas. Mas é tudo feito de uma forma muito brasileira, com um tempero local. Outro ponto positivo é o desenlace do romance, bem mais desenvolvido e menos aleatório do que no material de origem (ajuda que os atores saibam atuar). A história de Heitor também é melhor elaborada, com um arco para o garoto, que tem seus próprios traumas. Aqui, o casal tem tempo de se apaixonar. E que química!!! Por que choras, Augustus Waters?
Algumas cenas em comum com o material de origem receberam foco diferente, em favor de elementos como o Marketing social em torno da doação de medula. O acampamento está presente em ambas as produções, porém na obra mais recente, fica mais no meio da história, e tem outra função no enredo.
A escalação e atuação de todos são excelentes. Sem falar no carisma, meu povo! A cineasta Viviane Jundi soube transmitir muito bem a mudança de humor que acontece num paciente de câncer e a relação estremecida com a família, bem como a seriedade que passa a tomar conta de Pipa, que antes era destemida e até afrontosa e se torna contemplativa. O trabalho de Vivianne Jundi e do resto da equipe tornou “Meninas não choram” mais do que uma boa adaptação, um filme nacional de ótima qualidade em seu próprio direito. Não é necessário conhecer a obra de origem para sofrer igual a um condenado.
Chorei demais, acabei destruída, com os olhos inchados e nariz entupido. Nota 10.
O filme da Galeria Distribuidora está disponível na Netflix.